sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Os super-heróis e o apego na infância

Texto escrito por Dionis Soares

Este é um post dedicado a um artigo elaborado como trabalho de conclusão do curso de Psicologia do Centro Universitário Jorge Amado tendo como tema, “A influência dos super-heróis no processo de diferenciação do Self em crianças”.  O objetivo do artigo é analisar como a identificação com os super-heróis influencia as crianças no processo de diferenciação de Self.

O trabalho se baseou na idéia de que os super-heróis influenciam as crianças no seu processo de diferenciação do Self, que os comportamentos advindos do super-herói por meio de imitação funcionam para a criança como meio de se diferenciar da família de origem, e ir de encontro com seu self pessoal, tendo em vista também o papel da mídia na formação do apego infantil a esses heróis. A identificação da criança com seu super-herói, juntamente à forma como a veiculação do mesmo é proporcionada pela mídia, tem como resultado a assimilação das características desses heróis pelas crianças, influenciando assim no processo de auto-referência.
O conceito de self tem se tornado central nas teorias psicológicas, visto que a própria ciência da Psicologia já traz consigo algumas dessas noções, como a individualidade e a intersubjetividade.
O self pode ser considerado como a capacidade de uma pessoa em se auto-referenciar como indivíduo, de se distinguir como sujeito perante o objeto. Logo ao nascer, a criança vive um intenso estado de fusão com a mãe, estando uma ligada à outra emocionalmente, no decorrer dos anos a criança tem como função se tornar indivíduo, se tornar uma pessoa emocionalmente independente (BOWEN, 1988, tradução de VASCONCELOS, 2009).
Bowen considera que todo ser humano tem em si uma energia que o impulsiona ao processo de individuação, tornando-se uma pessoa emocionalmente mais autônoma, porém ninguém é completamente individuado, pois o vínculo inicial nunca é totalmente quebrado, havendo uma diferença entre vínculo inicial mantido e massa indiferenciada do Eu familiar.
No momento em que a criança se diferencia de sua família ela é estimulada e regida por uma energia de individuação. Nessa fase, o mundo é sentido pela criança como uma gama de percepções, a partir desses estímulos, ela começa a apresentar suas próprias vontades, a elaborar-se como indivíduo perante o mundo, a diferenciar-se.
Para Bowlby (1982), os bebês a partir do apego inicial formado com os pais ou com figuras de apego, criam modelos internos funcionais, baseando-se em um apego seguro ou inseguro. Esse modelo de relação também pode ser repetido, feito um molde, em outras relações futuras. Nos primeiros anos de vida, o apego formado pela criança é relacional, ou seja, formado por relações específicas e individuais, sendo a qualidade da relação a segurança da criança naquele indivíduo.
A figura de apego além de proporcionar a criança uma base-segura, funciona também como meio de explorar o ambiente, fornecendo uma base sólida e estável para que a mesma se sinta a vontade para “ir” e “vir” na relação segura. Em uma visão contemporânea pode-se entender o apego como um vínculo além da díade mãe-filho, como um fenômeno relacional, abrangendo figuras parentais de modo geral, amizades, entre outros contextos vividos pela criança.
Para Fromm (1990), o apego é gerado por um anseio profundo de desamparo e essa figura de apego pode ser de toda espécie, um professor, um astro de cinema, ou até os ídolos, sejam eles reais ou imaginários. O ídolo seria uma figura necessária ao homem, tendo como função dar apoio e força, essa figura do ídolo, do herói, sempre fez parte da história do homem, desde a mitologia grega. Essa vinculação ao ídolo se daria pelo fenômeno da transferência, que é encontrado durante toda a vida, principalmente em relações duradouras de amizade e afetividade.
Pelo vínculo formado ao super-herói, a criança absorve os aspectos do mesmo nesse processo de diferenciação de sua família de origem. O papel da mídia no apego infantil a esses heróis é ativo, a maneira como a mesma veicula a imagem desses ídolos infantis, os associando aos efeitos especiais, jingles, cores fortes e explosões, cria na criança um apelo à imitação de comportamento, que pode ser internalizado e integrado como um traço da identidade na infância (FLORES, 2003).

A mídia atual fugiu do seu papel de divertimento e lazer, se tornando um instrumento pelo qual o mundo é apresentado ao indivíduo, muitas vezes, sendo esse o único instrumento. A maneira como a imagem dos heróis são passadas às crianças geram elementos de imitação, pois os mesmos propõem um mundo lúdico e de magia, com personagens caracterizados como fortes e guerreiros, traços e cores peculiares juntamente com o jingle no momento em que aparecem despertam a atenção das crianças e a manutenção das mesmas em frente a tela (MUNARIM, 2004). Como no caso dos Power Rangers, a aparição dos heróis é acompanhada por explosões, cores fortes e grande apelo visual. 
O processo de diferenciação de self ocorrido na infância e a ligação das crianças aos ídolos revelam a importância dos mesmos nessa fase do desenvolvimento e também a influência que se pode exercer no imaginário infantil, nos comportamentos e condutas da criança perante a sociedade.
É comum da infância, imitar o que se percebe e a realidade que se cerca, sendo assim os valores trazidos e externalizados pelo herói são copiados pela criança, modelando sua conduta. A imagem do herói de hoje,

está embutida de estereótipos de gêneros que influenciam na formação dos valores da criança. Para os meninos [...] um padrão de masculinidade machista, como a violência e a agressividade. Já com as meninas é explorada a feminilidade baseada na delicadeza e no padrão físico europeu ocidental (ALVES; DAMÁSIO; LIMA, 2010, p. 6).

De acordo com Mota (2003), os heróis da atualidade são personagens altamente agressivos, com o estereótipo masculino negativo, demonstrando sua virilidade fazendo uso demasiado de armas e violência. Essa versão de masculinidade apresentada a garotos em idade de construção e empossamento de si, pode promover comportamento violento nos mesmos, visto que há uma banalização da violência, sendo usada inclusive como meio de se obter o desejado.
A identificação na infância com um herói também tem benefícios. Há uma proporção educativa na imagem dos super-heróis, principalmente no aspecto de valores morais. Entendendo educação não somente como método em sala de aula, o processo de imitação dos comportamentos apresentados pelo ídolo também é um processo de aprendizagem para a criança (FOGAÇA, 2003).

Desde nossa infância até a idade adulta, os super-heróis podem nos lembrar da importância da autodisciplina, do auto-sacrifício e de nos devotarmos a algo bom, nobre e importante. Eles podem ampliar nossos horizontes mentais e apoiar nossa determinação moral, enquanto nos entretêm. Não precisamos dizer que os quadrinhos de super-heróis têm a intenção de ser instrutivos ou de natureza moralista. (...) Os super-heróis mostram-nos que os perigos podem ser enfrentados e vencidos. Eles exibem o poder do caráter e da coragem acima da adversidade. E assim, até quando lidam com nossos medos, os super-heróis podem ser inspiradores (PAIVA apud LOEB; MORRIS, 2005, p 28).

Para o desenvolvimento do artigo mencionado, foi realizada uma análise do comportamento infantil, relacionando-o aos heróis de escolha da criança. Para tal análise, foram realizadas entrevistas lúdicas com as crianças e em paralelo técnicas de dramatização, necessárias para recriar e analisar comportamentos e experiências infantis com base nas teorias apresentadas no referencial teórico. Os resultados e discussões obtidos estão baseados nos dados colhidos com seis crianças, três meninos e três meninas.
Os achados apontaram para a inter-influência da identificação com os super-heróis e o processo de construção da autonomia nas crianças participantes desse estudo, quando se toma a relação com suas famílias de origem. É comum o uso do herói nessa fase do desenvolvimento humano (dos cinco aos dez anos) como metáfora das relações mais próximas que a criança forma com as pessoas mais significativas, como sua família. Foi entendido que as características identificadas no herói assim como suas ações são internalizadas pelas crianças que passam a se comportar como eles, isso leva a compreensão da necessidade, em um dado momento do desenvolvimento, de figuras mesmo que imaginárias, como forma de descolamento dos pais.
Foi percebido pelo contato com as crianças que a existência do herói é comum a infância e que as mesmas possuem uma identificação intensa com os ídolos da mesma faixa etária, sendo que os meninos se identificam com o estereótipo masculino e as meninas com o feminino. O super-herói é usado como um meio de socialização entre as crianças, um meio de interação e aceitação entre as mesmas, pois a partir desse contato a criança se fortalece, canaliza seus sentimentos e lida com os dilemas do dia-a-dia. Os aspectos vistos como positivos no herói de escolha são trazidos pelas crianças como delas, em uma tentativa de internalizá-los, elas aderem aos comportamentos que desejam possuir do herói, como no caso da pesquisa a característica de ser “rápido” e vencer as corridas na escola.
Acredito que a pesquisa apresentada seja um bom questionamento para trabalhos futuros, visto que o herói é necessário a criança nessa fase do desenvolvimento, sendo uma forte figura de imitação e contato com o self pessoal. Sendo um tema cotidiano, é importante sua pesquisa e divulgação.

Segue indicação de algumas referências:




Bowlby, John, APEGO E PERDA 1 -Apego, A Natureza do Vínculo, 3ª edição, Martin Fontes, 2002







Osório, L. C. e Valle, M. E. P.(org.), MANUAL DE TERAPIA FAMILIAR, EditoraArtmed, 2009









Ramalho, Cybele M. Rabelo; Corumba, Rosa M.Nascimento; DESCOBRINDO ENIGMAS DEHERÓIS E CONTOS DE FADAS: ENTRE A PSICOLOGIA ANALÍTICA E O PSICODRAMA, Ed.Profint, 2008.











Sodré, Muniz; SOCIEDADE, MÍDIA EVIOLÊNCIA, EDIPUCRS, 2006

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Steve Jobs e a revolução na área da deficiência


Segue post interessante de Patricia Almeida do site Inclusive: inclusão e cidadania sobre as possibilidades das novas tecnologias e principalmente das possibilidades do iPad no desenvolvimento de crianças. 

"Quando criou o iPad, Steve Jobs não tinha ideia do quanto aquela ferramenta iria ajudar um grupo de pessoas em geral esquecido. Sem querer, a comunidade de pessoas com deficiência ganhou um aliado de peso. O iPhone e iPad – influenciando os demais smartphones e tablets – acumulam um mundo de possibilidades para desenvolver as habilidades de pessoas com deficiência,  facilitar  sua vida, além de entretê-las e divertí-las, como nunca antes se imaginou possível.
Como forma de homenagear este visionário que infelizmente se foi, compartilho abaixo alguns dos usos possíveis do iPad e seus aplicativos por pessoas com deficiência. Melhor ainda quando chegarem ao Brasil os tablets de US$ 35 lançados na India, que assim poderão efetivamente chegar às mãos das pessoas com deficiência no país e no mundo.
Os vídeos abaixo estão em inglês, mas podem ser entendidos em grande parte apenas pelas imagens.
Minha filha, Amanda, jogando memória com o iPad
http://youtu.be/dgAXg14pZ5A
O iPad é uma mudança radical para pessoas com autismo
http://youtu.be/GEqV_8ahr90
Aqui um menino com apraxia pede para comer queijo e biscoito usando o iPad.
http://youtu.be/Tp2ROyyyqjo
Neste um menino com autismo aprende a escrever as letras usando o iPad.
http://youtu.be/o0eiovHNzAM
Menino com autismo ganha um iPad e começa a descobrir suas múltiplas funções
http://youtu.be/OYT5jUOH38g
O mesmo menino usando o iPad para ajudar com o que está estudando na escola
http://youtu.be/kdpjIR8KjLU
Menina com síndrome de Down aprendendo a ler, escrever e falar com o iPad
http://youtu.be/WQsltI9Yyu0
Proloquo2go customizado para uma menina pequena se comunicar
http://youtu.be/fMM7scevmZU
Criança com síndrome de bebê sacudido usa o iPad para usar mão
http://youtu.be/3pDjc8DTYlI
Bebê com holoprosencefalia brinca com o iPad
http://youtu.be/-d8INgbyEP8
Homem surdo mostra aplicativos úteis
http://youtu.be/N6bRxzWDbM8
Homem surdo apresenta aplicaticos, inclusive o telefone com imagem no iPad2
http://youtu.be/yPjfx3RLTNc
Acessibilidade – Voice Over, Zoom e White on Black
http://youtu.be/yLSaWwbuhfc"

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Nina e a felicidade

“Nina não sabe se um dia fará a felicidade de toda a humanidade... Finalmente, ela acha que, para ser feliz, não se deve ficar pensando sem parar na felicidade. Se a procuramos muito, se ficamos refletindo sobre ela o tempo todo, vamos nos sentir infelizes. É uma ideia estranha: não procurar a felicidade para encontrar a felicidade. “É engraçado”, pensa ela. “Passei esse tempo todo procurando-a e não podia encontra-la!”” (Brenifier, 2009, p.62)




Nina e a felicidade do autor Oscar Brenifier,ilustração: Íris de Moüy, Editora Globo. 



Oscar Brenifier é PhD em filosofia e escreve para as crianças. Sensível ao universo infantil, o autor constroi um texto simples é profundo sem ser difícil, que proporciona prazer sem abrir mão do rigor intelectual. Que respeita o pequeno leitor, porque o trata como um igual.

Na matéria Filosofar com as Crianças, publicada em 1 de Junho de 2008 na revista Notícias Magazine Oscar Brenifier afirma




“As crianças que têm filosofia são mais conscientes de si mesmas, mais tranquilas e, ao mesmo tempo, mais cuidadosas quando escutam os outros, mais capazes de desenvolver um pensamento crítico. São crianças que conseguem examinar uma ideia, que conseguem escutar os outros e concentrar-se com mais facilidade. A filosofia para crianças não é só uma disciplina. É mais do que isso. É transversal a várias áreas do conhecimento.” e que “…o que a criança diz é profundo ou é um sinal de genialidade”

“Uma criança de quatro anos pode pensar, com a sua experiência de quatro anos no que é a morte” (por exemplo) “Quando uma criança tem uma pergunta, não devemos precipitar-nos e dar-lhe uma resposta tipo para aquela situação. Devemos, antes, perguntar-lhe o que pensa sobre a morte” (por exemplo) “Devemos tentar aprofundar o seu pensamento. Há que valorizar a sua capacidade autónoma de pensar…”


Fazer com que crianças se interessem por Filosofia não é uma tarefa fácil e Brenifier assume esta missão  apoiado principalmente nas ilustrações. O livro Nina e a felicidade narra a história de uma garotinha se questiona sobre o mundo e as emoções.
Com suas inúmeras perguntas a curiosa protagonista nos leva junto com ela pelas deliciosas especulações filosóficas contidas em Nina e a felicidade.

“Nina é uma menina, que do alto de seus 8 anos de idade, se sente infeliz depois de brigar com sua melhor amiga na escola. Este é o ponto de partida para a garotinha fazer uma série de questionamentos sobre a felicidade - a si mesma e a todos a seu redor, inclusive seu cãozinho de estimação. O que é ser feliz? Por que é tão fácil ser infeliz? Felicidade é uma questão de sorte ou de escolha? Ela depende de mim ou dos outros? O que ela tem a ver com o amor? É possível ser feliz o tempo todo, para sempre? Insaciavelmente curiosa, Nina desfia pergunta sobre pergunta para tentar entender os próprios sentimentos diante de um mundo nem sempre fácil de decifrar.”

Brenifier conduz o leitor, pequeno ou grande, pela mais excitante das aventuras: o exercício do pensamento, fazendo referências a mitos gregos como o de Sísifo (condenado eternamente a empurrar uma rocha ao topo de uma colina), ao conto de fadas da Cinderela ou aos ensinamentos de Sidarta Gautama, o Buda. Utilizando mais reflexões do que ações na construção da trama em que os personagens dialogam o tempo todo.
O texto é emoldurado pelas ilustrações minimalistas de Iris de Moüy, artista francesa cujo trabalho tem forte influência dos mangás japoneses o que confere um toque especial à narrativa. Por ser ilustrado como uma história em quadrinhos e está dividido em pequenos capítulos o texto torna-se convidativo para os pequenos, já que é possível ler poucas páginas por vez.




quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Saúde Mental na Infância e na Adolescência




Nesta semana deixo a indicação de um blog bastante interessante sobre saúde mental de crianças e adolescentes:





Saúde Mental na Infância e na Adolescência do Brunno Araújo Nóbrega, Psiquiatra da Infância e da Adolescência / Pediatra


segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Dez bons conselhos de meu pai

Dando continuidade ao tema do post anterior, a família, a indicação do livro desta vez é:



Lançar um livro infantil nunca foi uma pretensão para João Ubaldo Ribeiro, mas quando a ideia foi sugerida por sua editora ele aceitou de bate pronto o desafio. O texto foi escrito há mais de 30 anos, mas só agora chega às livrarias em formato de livro e dirigido às crianças.
Neste livro João Ubaldo Ribeiro traduz em sentenças curtas o resumo das diretrizes de vida passadas por seu pai. Tais como:





“Não seja burro”
“Não seja amargo”
“Nunca seja medroso”
“Não seja ignorante”.


Manuel Ribeiro, o pai do escritor baiano e tema do livro, era um homem estudioso e sempre foi exemplo e inspiração para o filho. Foi professor de história e de direito, ocupou diversos cargos importantes, como o de diretor da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Salvador, foi deputado estadual em Sergipe e vereador em Salvador. Mas, afora todos esses títulos socialmente importantes, Manuel Ribeiro foi um bom pai segundo o próprio filho.
A casa da família na qual João Ubaldo cresceu era repleta de livros, com uma biblioteca que se espalhava por todos os cômodos e contemplava todos os gêneros, como, romance, filosofia, política, esoterismo. João Ubaldo, o filho mais velho, inserido nesta atmosfera, descobriu que estavam nos livros as suas vontades. Sem que ninguém mandasse, o João enquanto criança vivia mergulhado em histórias.


“Esse livro tem uma história diferente. Escrevi os Dez bons conselhos de meu pai como apêndice de um livro meu sobre política, publicado há uns 30 anos. Botei no fim desse livro não sei por que, ou, se sabia me esqueci. Esses Conselhos foram saindo nas subsequentes edições, até que alguma editora os tirou. Quando eu passei pra editora Objetiva Alfaguara, eu pedi para que voltassem a publicar o livro com os Conselhos. Aí voltaram e o texto chamou a atenção de Isa Pessoa, minha editora, que pensou em transformá-lo num livro infantil, e também passou essa ideia para a Bruna Assis Brasil, a responsável pela concepção gráfica do projeto e pelas ilustrações. Por isso ficou um livro tão bonito. Mas não foi tão intencional, aconteceu assim como eu lhe contei. (...) imagino que esses conselhos, não que eles sejam acatados na íntegra, mas acho que eles servem como tópicos de discussão em classe, numa época em que se questionam padrões éticos, morais, etc. Se questiona a participação do indivíduo na vida pública, os políticos e assim por diante. Eu acho que se esses conselhos levarem a algum debatezinho, entre estudantes e professores ou pais e estudantes, pode ser útil, mas eu não tenho certeza.”

O livro, como sugerido por Ubaldo, poderá ser o ponto de partida para pais e profissionais colocarem em discussão valores éticos que andam esquecidos hoje em um mundo onde as crianças encontram-se rodeadas pela perda de valores à família, ao outro, à ética além de viver em busca da satisfação imediata.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Apolinário, o Homem-Dicionário


“Apolinário é um senhor de respeito
Cujo pretérito tem algo imperfeito
Em busca de seu verdadeiro "eu"
Encontrará a palavra que nunca aprendeu

Todos têm uma palavra perdida
Algo faltando no seu livro da vida
Seu coração ficará mais sereno
Com o livro de Fábio Yabu & Daniel Bueno”




Neste post o tema é a família, e para isso o livro indicado é Apolinário - O homem dicionário de Fábio Yabu, ilustrações de Daniel Bueno, Editora Panda Books 



A família, que é uma das instituições mais antigas da sociedade, tem em seu contexto fatores relevantes dirigidos a cada membro deste grupo. A família deve ser a principal responsável pela formação do sujeito e também deve servir de apoio importante no processo de adaptação para a vida em sociedade. Uma boa educação dentro de casa garante uma base mais sólida e segura no contato com as adversidades culturais e sociais, características do período de amadurecimento.
É a na família que o desenvolvimento psicológico e o sentimento de aceitação social ocorrem, tendo a criança suas primeiras e mais importantes relações. Estas relações preparam não só o relacionamento com outras pessoas, mas também a evolução de sua personalidade, o que realmente torna-se necessário para todas as crianças.




“Apolinário procurava a senha perdida. A senha da vida. E a encontrou no final da viagem em versos do Yabu. Mas, até lá, quanta busca, quanta dúvida, quantos anos preparatórios para encontrar sua Conceição e sua mineirice, passando pelo mistério do livreiro que deixou plantado o grande mistério em sua vida. Livreiro ou bruxo? Percorra o caminho da poesia de Fábio Yabu, como eu percorri, para mergulhar nessas fantasias, folheando um livro gostoso de ler, instigante – ótimo pra quem quer descobrir logo as respostas aos mistérios.” (Do prefácio de Mauricio de Sousa)


Apolinário, o Homem-Dicionário é o décimo-segundo livro de Fábio Yabu, no qual retrata muito dele mesmo, das coisas que acredita e da sua filosofia. O livro ganhou vida nas mãos de Daniel Bueno, vencedor do Prêmio Jabuti, que conseguiu materializar de forma brilhante conceitos subjetivos do texto, usando letras e livros para representar os personagens e suas emoções.

O livro conta a história de Apolinário que, depois de descobrir um dicionário mágico, aprende todas as palavras da língua portuguesa, exceto uma. Ele acha então que esta única palavra não fará falta, afinal é apenas uma palavra de um grande dicionário. Apolinário desdenhou da palavra que não conseguia ler em seu incrível dicionário.

No decorrer do livro pode-se perceber que Apolinário é uma pessoa com vontade de aprender e ensinar, já que acha sua verdadeira vocação sendo professor, mas que muitas vezes não presta atenção nas lições simples que a própria vida apresenta.

Mas com o passar do tempo Apolinário percebe-se incompleto, com um grande vazio, percebe que havia uma parte ausente que nem sabia que faltava, e parte em uma jornada à procura da palavra não aprendida.
O livro mostra esta jornada de Apolinário em busca de sua “palavra perdida”, repleto de referências desde Camões à Drummond.

Em sua busca pessoal Apolinário encontra a senha perdida. A senha da vida, a formação da sua família. A palavra não lida, família, inicialmente não fazia diferença, até Apolinário encontrá-la pessoalmente e não saber como defini-la.



domingo, 14 de agosto de 2011

Crianças x Animais

Como em um tópico anterior falamos do Snoopy e sua turma, achei que seria interessante falar um pouco da relação das crianças com os animais.
Em um estudo realizado nos Estados Unidos no qual foi perguntado:
“Se você fosse um náufrago e só encontrasse uma ilha deserta para sobreviver, quem gostaria que fosse seu companheiro?”
57% dos donos de animais gostariam mais de ter seus bichos a seu lado do que um ser humano. Então se você pensou em seu cachorro ou gato, não imagine que é loucura.
Tamanha paixão tem resposta. Além de ótima companhia, os animais domésticos possuem um amor incondicional. Não importa o que se faça ou diga, ele venera seu dono como ninguém. Mas não é só afeto que ele oferece. Inúmeras pesquisas apontam que cães, gatos, passarinhos, peixes e outros animais trazem benefício à saúde. Um desses estudos, publicado na revista especializada Aids Care, dos Estados Unidos, mostrou que pacientes com Aids que possuíam um animal de estimação tinham menos chance de sofrer depressão do que aqueles que não possuíam bicho algum. Mesmo quem não tem nenhuma outra doença, mas sofre de depressão, pode se beneficiar com a companhia de um bicho. "Cuidar de um cachorro é uma ocupação", explica a psicóloga e veterinária Hannelori Fuchs, de São Paulo. "Tem que dar banho, comida e sair para passear, o que favorece um contato social. Isso tudo ajuda a sair da apatia", completa. (2000, Rossi, A. Revista Isto É)
Dotti (2005) afirma que algumas pesquisas realizadas com pais de crianças que possuíram animais de companhia em sua infância apontam que as atitudes das crianças se tornaram mais intensas em relação à responsabilidade, sensibilidade e senso de comunicação com outras pessoas. Os aspectos como de cooperação, organização e de companhia foram identificados, facilitando o contanto com outras crianças e cria um ambiente saudável para brincadeiras. Estudos recentes mostram que as crianças entre 5 e 12 anos, que possuem animais de companhia, têm mais sensibilidade e compreendem melhor os sentimentos de outras pessoas tendo mais empatia. Crianças menores desenvolvem mais rapidamente a cognição e se tornam até mais espertas, com aumento considerável em seus pontos de QI. Podem desenvolver mais rapidamente sua coordenação motora, campo visual e sua inter-relação com o mundo exterior.
Os benefícios da interação homem animal é estudada de forma científica e disso resultou as intervenções de Terapia Assistida por Animais e Atividade Assistida por Animais
O termo Terapia Assistida por Animais (TAA), do inglês Animal Assisted Therapy (AAT), foi proposto pela organização americana Delta Society, entidade referência para a implantação de programas de TAA. A proposta da TAA é promover a saúde física, social, emocional e/ou funções cognitivas.
A Atividade Assistida por Animais e a Terapia Assistida por Animais foram desenvolvidas a partir de estudos científicos que demonstram que o simples contato com um animal já é suficiente para promover bem-estar.
Alguns benefícios da A/TAA já foram comprovados, como a diminuição da pressão sanguínea e cardíaca, e melhora do sistema imunológico, da capacidade motora e da auto-estima.
A A/TAA também estimula a interação social e tem uma ação calmante e antidepressiva, o que resulta, em alguns casos, na redução da quantidade de medicamentos.
A A/TAA oferece oportunidades para o desenvolvimento de benefícios motivacionais, educacionais, recreacionais, e/ou terapêuticos no intuito de melhorar a qualidade de vida.
O AAA pode ser realizada em uma variedade dos ambientes por profissionais especialmente treinados e/ou voluntários, na associação com animais que se adequam à critérios específicos.
A TAA é uma intervenção com um objetivo pré-estabelecido, em que um animal é uma parte integrante do processo do tratamento. TAA é desenvolvida por profissionais da área de saúde, sendo uma forma de intervenção que pretende promover a melhoria do funcionamento físico, social, emocional, e/ou cognitivo do ser humano; possibilitando, portanto, uma ampla variedade das possibilidades de trabalho, podendo ser em grupo ou individual.
Por ser a TAA uma intervenção previamente planejada e com objetivos específicos bem delimitados, todo o processo deve ser documentado e avaliado.
Os benefícios comprovados:
  •     Exercícios e estímulos variados relativos à motricidade
  •     Estabilização da pressão arterial e reações químicas positivas
  •     Afastamento do estado de dor
  •     Encorajamento das funções da fala
  •     Estímulo à memória
  •     Recreação, diversão e afastamento do isolamento
  •     Oportunidade de comunicação e sentido de convivência
  •     Diminuição da  depressão e medicação psicotrópica e analgésica
  •     Facilitação da socialização e integração.

Johannes Odendaal (1999), após estudar a base fisiológica da eficácia da terapia mediada por animais, concluiu que as substâncias bioquímicas positivas aumentavam de maneira expressiva em pessoas sendo demonstrado no estudo pelo fato dos hormônios e neuropeptídeos afluírem em doses maciças para os sistemas nervosos.
Alterações na química do cérebro influenciam sentimentos, pensamentos e atitudes. Compostos bioquímicos como a feniletalamina, dopamina, beta-endorfina, prolactina e oxitocina são substâncias naturais que aumentam na corrente sanguínea quando há uma interação homem-animal, transmitindo sentimentos de satisfação, confiança, serenidade, felicidade, zelo e amor (Becker, 2003).
Para isso, basta uma interação positiva de quinze minutos, que acarretará essa alteração hormonal, propiciando uma sensação de bem-estar, além, também, de diminuir o cortisol, que é o hormônio do estresse. Há, assim, uma alteração química no organismo, onde endorfinas são produzidas pelo sistema imunológico (Odendaal; Lehmann, 2001).
De acordo com Levinson (1964 apud Althausen, 2006) a relação de uma criança em atividade lúdica com um animal tem a vantagem de proporcionar a oportunidade de se expressar livremente, pois diferente da relação com objetos inanimados, a criança pode conceber o animal como sendo parte dela mesma ou parte de sua família. Os animais estariam portanto, atuando como aliados psicoterapêuticos, sendo “agentes catalisadores”.
Pensando em todos os benefícios que um animal pode proporcionar, inclusive o incentivo à leitura, tenho a indicação de alguns livros.








Para as crianças que querem um cãozinho ou já tem um, mas não sabem como educar, indico Meu irmão, o cão de Alexandre Rossi e Regina Motta, Editora GERMINAL 




Para abordar temáticas como amor, amizade e elevação da auto-estima indico Vira-lata de Stephen Michel King da editora Brinque-Book. Este livro aborda a temática dos sentimentos de solidariedade, compaixão e de amor que as pessoas deveriam ter com os indivíduos e também com os animais. Stephen Michael King mostra aos leitores que, assim como o cão, muitas pessoas não possuem abrigo, comida e família. Vira-Lata reflete a situação dos desabrigados e pode ser uma abertura para as discussões sobre a situação desses indivíduos e a importância de se pertencer a uma família.

Para os adultos fica a dica de três livros:

 















quinta-feira, 7 de julho de 2011

É UM LIVRO

“ELE MANDA MENSAGEM?
ENTRA NO TWITTER?
PASSA VÍDEOS?”

Na semana em que ocorre a FLIP em Paraty, resolvi falar sobre o livro.

Estamos vivendo na era da tecnologia, onde tudo muda muito rápido e como não poderia ser diferente, a tecnologia também tem afetado as crianças e adolescentes que se encantam com os “novos brinquedos” e passam horas conversando com seus amigos virtuais, vivendo dúzias de perfis e avatares online, lendo notícias no instante em que o fato acontece, criando hipertextos e blogs e zapeando na internet.

Este é o tema abordado no livro infantil “É um livro” de Lane Smith, Editora Companhia das Letrinhas 


“Com a invenção dos e-books, e a proposta de revolução que trazem consigo, surgem inúmeras dúvidas a respeito do futuro do livro.
Muitos aproveitam essa onda para reafirmar seu amor às letras impressas em papel, e dizem que o livro é uma espécie de deus grego: não morre nunca. Sem enveredar pelas malhas da vidência, mas deixando claro que um livro é um livro e isso basta, Lane Smith criou uma história ilustrada, tanto para crianças quanto para adultos, sobre o nosso velho e bom - e amado - livro. Aquele que, ao contrário dos produtos eletrônicos, não apita, não interage, não conecta nem retwitta. Mas que, só pela emoção da narrativa e das imagens, prende a atenção (e ainda rouba o coração) de qualquer um.”

Diante da globalização mundial não se pode fugir do virtual, ou seja, da realidade perceptual que disponibiliza sons, imagens e sensações, criados exclusivamente pela ação ou uso do computador, na vida das crianças. Hoje elas aprendem a usar todos os aparatos tecnológicos muito cedo. Dentre estes os “livros” virtuais.

Ficamos então com a perguntar se o livro digital irá matar o “livro analógico”. Assim como, o vinil morreu, o CD morreu, o VHS e o DVD morreram, levando junto as locadoras de vídeo. O jornal morreu, só esqueceram de enterrar. Por que tanta gente custa a acreditar que os livros vão morrer também, soterrados pela revolução digital?

Bem, eu sou uma dessas pessoas que acreditam que os livros não vão morrer. A tecnologia é muito importante e traz muitos benefícios. Podemos pensar na facilidade de comprar um aparelho e aí baixar qualquer livro de um catálogo de mais ou menos 20 mil títulos, por enquanto quase todos em inglês. Com a vantagem de que se pode fazer isso de qualquer lugar, pela rede 3G. Além de pensar que em um pequeno aparelho de mais ou menos 400 gramas cabem 1 500 obras, a economia de espaço, a facilidade de levar para qualquer lugar é inegável.

Contudo a maioria dos tablets possuem a tela de lcd. E vamos considerar que não dá para ler um romance inteiro em uma telinha dessas. Nossos olhos vão implorar para que largue o tablet e tente um livro de verdade.

Ou seja, acho que o fim dos livros impressos não está próximo e nem será rápido, como foi a extinção dos discos de vinil e o surgimento do CD.

E concordo com a opinião de Pedro Herz:

Acho o e-reader uma ferramenta fantástica, mas daí a virar o substituto do livro... Já vi esse filme antes, já vi o VHS chegar e dizer que ia acabar com o cinema. Já vi, na Feira de Frankfurt, dizerem que o mundo ia virar CD-ROM, e o mundo não virou CD-ROM. Dois anos depois não se falava nisso, as editoras me falavam: "Pô, perdemos um dinheirão, admitimos um monte de gente e não deu em nada". A sensação que eu tenho é que a gente está vendo uma nuvem, que vai passar. Pode ser que chova, mas, num curto prazo, não vai acontecer nada.

Livros continuarão existindo!!!


quinta-feira, 23 de junho de 2011

Que puxa!

A inspiração para escrever esse post surgiu de duas coisas, a primeira é a observação do número crescente de crianças com preocupações de adultos no consultório e a segunda é a paixão de uma pessoa, muito especial para mim, pelo Peanuts.
Cada vez mais cedo as crianças possuem aparência de adultos e preocupações de adultos. Esses mini-adultos remetem-me aos personagens das tirinhas e desenho animado do Peanuts, como o Charlie Brown por exemplo, que representa o estereótipo do perdedor crônico, eterno fracassado, procurando a auto-afirmação em toda parte, sem conseguir atingir o sucesso.
Para pensar um pouco sobre as preocupações apresentadas pelas crianças o canal Nickelodeon divulgou uma pesquisa realizada com 2,8 mil crianças de 8 a 15 anos de 14 países. E o resultado pode ser considerado alarmante. As crianças brasileiras são as mais estressadas por se preocuparem mais com sua segurança e com o terrorismo do que as outras crianças entrevistadas. O estudo "Well Being - O Equilíbrio Emocional da Criança"  foi realizado durante seis meses e as crianças entrevistadas estão nas classes A, B e C, não necessariamente usuárias de TV por assinatura.
Os principais assuntos levantados foram o sentimento de segurança e o medo, que interferem na construção do comportamento dessas crianças, como é a sua relação com amigos, família e cultura, quais as expectativas de futuro e de oportunidade e, também, como estas crianças são expostas e absorvem tudo isso.
As crianças brasileiras lideraram quesitos importantes e preocupantes. Quando questionadas sobre o que as preocupa mais, 96% disseram que é conseguir um bom emprego. Elas também são as mais preocupadas com sua segurança e o índice aponta 75%.
Das crianças brasileiras entrevistadas 87% têm medo de terrorismo, sendo que nos EUA esse índice alcança apenas 57% dos entrevistados. Nossas crianças também lideram o ranking no quesito "me preocupa fazer meus pais felizes", com 95%. A morte dos pais com 98%, destaca-se como o maior medo das crianças brasileiras.
Segundo Beatriz Mello, responsável pelo departamento de Pesquisas da empresa no Brasil.

"As crianças são constantemente estimuladas por informações vindas de todas as partes e isso tem consequências profundas em suas vidas. Entender quais são os impactos da sociedade globalizada e de que maneira ela interfere na vida da criança de hoje foi o foco da pesquisa Well Being - O Equilíbrio Emocional da Criança."

 E como fazer a ponte para os personagens do Peanuts? Como já foi dito, o Charlie Brown possui uma característica cômico-depressiva e uma admirável perseverança mesmo aos 4 anos de idade. Vive se lamentando da vida, uma vez que não se dá bem em aparentemente nada do que faz, mas às vezes se mostra bastante convencido de sua suposta inteligência.  Seria o Charlie Bronw criado em 1950 o retrato das nossas crianças da geração Z e da nova geração Alfa?
Nenhum dos personagens do Peanuts tem poderes especiais, conquistando, assim, a simpatia do público por serem crianças comuns, mas com estereótipos de adultos, com quem é fácil de se identificar.

"As crianças de Schulz não são instrumento para contrabandear os nossos problemas de adultos; esses problemas são nelas vividos segundo os modos de uma psicologia infantil, e justamente por isso nos parecem tocantes e sem esperança, como se de repente reconhecêssemos que os nossos males poluíram tudo, na raiz."

"...os Peanuts fascinam com igual intensidade os grandes mais sofisticados e as crianças, como se cada um aí encontrasse algo para si, e é sempre a mesma coisa, fruível em duas chaves diversas".

Além do Charlie Brown temos na trama a Lucy, uma garota prática e racional, que beira a arrogância e tem grande poder persuasivo. O Schroeder que seria o intelectual da turma, tem por ídolo Beethoven, criando pelo músico uma adoração tamanha que o faz abstrair o mundo a sua volta, passando a maior parte do tempo tocando seu piano. Umberto Eco afirma sobre o Schroeder, “afundado em sua total admiração por Beethoven, salva-se das neuroses cotidianas, sublimando-as numa alta forma de loucura artística”. Além do Linus, garoto inseguro, que se apega a um cobertor e jamais se separa dele. Temos ainda a Patty Pimentinha uma má aluna, costuma dormir nas aulas e só tira D-, mas nunca perde o bom humor. Mantém uma queda secreta por Charlie Brown e conversa muito ao telefone com ele chamando-o sempre de Minduim. Adora as brincadeiras de menino e odeia as regras dos adultos. Outros personagens, que foram sendo integrados à turma com o tempo, exemplificam bem alguns comportamentos que não se enquadram como típicos de crianças.
Voltando ao nosso personagem Charlie Brown, Eco afirma que é a extrema normalidade dele que é responsável por parte de suas neuroses, já que busca as soluções para as angústias que o afligem dentro dos moldes e fórmulas propostas pela sociedade contemporânea. Faço uma pausa aqui para indicação de um livro, A Corrosão do Caráter de Richard Sennett, editora Record.
Ficamos então pensando, o que é possível ser feito? Nossas crianças estão presas nesse mundo de preocupações assim como os pequenos apresentados por Charles M. Schulz?
É então que temos o cachorro Snnopy como solução desses problemas apresentados pelos personagens do Peanuts. À Snoopy é atribuído um traço de humanidade, alegria e otimismo que simbolizam a infância e a imaginação própria da criança, ausentes nas verdadeiras crianças da trama. Sua imaginação é alimentada pelo sonho de torna-se um grande herói.
Surge então junto com a interpretação do que representa o Snoopy o que podemos fazer por nossas crianças. Devemos “ajuda-las” a serem apenas crianças, com preocupações pertinentes a cada idade, sem antecipar os sofrimentos. Precisamos alimentar os sonhos. As experiências infantis relacionadas a brincadeiras e a fantasias são estruturantes e organizadoras da personalidade. Portanto, a criança que é privada dessas experiências pode apresentar algum problema psicológico no futuro.
Nesse ponto retomamos os posts anteriores nos quais foram enfatizados a importância da resiliência, da comunicação do afeto e das habilidades sociais. Por meio dessas nós poderemos ser um pouco o Snoopy e trazer de volta para nossas crianças o mundo infantil das brincadeiras, imaginação, sonhos, otimismo e humanidade.
Para finalizar deixo indicação de alguns livros.




domingo, 19 de junho de 2011

O Homem Que Amava Caixas

“Era uma vez um homem
O homem tinha um filho
O filho amava o homem
e o homem amava caixas.”

Uma pessoa pode comunicar o afeto de diversas formas: tácteis, verbais, faciais, gestuais, entre outras. No livro O Homem Que Amava Caixas de Stephen Michael King, Editora Brinque-Book  pode-se ver um exemplo de comunicação de afeto de forma diferente da esperada usualmente.
Este livro fala de maneira simples e bonita sobre o relacionamento entre pai e filho. Com ilustrações alegres e muita sensibilidade, O Homem que Amava Caixas conta a história de um homem que era apaixonado por caixas e por seu filho. O único problema é que, como muitos pais, ele não sabia como dizer ao filho que o amava. O livro fez tantos simpatizantes em todo o mundo que ganhou o prêmio Family Award for Children’s Books em 1996.
Segundo o autor Stephen Michael King “a história é sobre meu pai e eu, quando era adolescente e fiquei surdo. Eu tive vários problemas sociais, e minha relação com meu pai tinha acabado. Nossa comunicação era difícil em vários níveis. Naquele momento eu não percebi, só mais tarde, que ele estava se comunicando de outras maneiras, fazendo pequenas coisas para mim. Realmente, foi com trinta anos, olhando para trás, que eu percebi isso. Escrevi a história e fiz do pai um pai, e do menino uma jovem criança, mas também tem algumas considerações minhas sobre a paternidade em geral, apesar de ter sido escrito antes de eu ter meus filhos.”
Partindo do relato de Stephen Michael King podemos perceber que a forma de interação entre pais e filhos constitui fator relevante que interfere no repertório social dos filhos.
Podemos pensar então, que não comunicar de forma adequada o quanto se gosta de uma pessoa pode ser um problema, principalmente se pensando em uma criança. Quanto maior o repertório de habilidades sociais de ambos os pais, maior a frequência de comunicação e de participação nos cuidados e nas atividades escolares, culturais e de lazer dos filhos.
O conceito de habilidades sociais envolve mais o aspecto descritivo dos comportamentos verbais e não-verbais necessários à competência social. Esta envolve uma avaliação ou julgamento a respeito da adequação do comportamento de uma pessoa e do efeito que produz em uma determinada situação.
A importância da qualidade da relação pais e filhos sobre o desenvolvimento das crianças é amplamente conhecida, sendo que alguns estudos científicos correlacionam práticas educativas inadequadas a problemas no desenvolvimento cognitivo e social e no desempenho acadêmico dos filhos.
Pais socialmente habilidosos, que estabelecem um ambiente familiar acolhedor, organizam contextos favoráveis aos mecanismos de resiliência e de proteção diante de fatores ameaçadores a que usualmente as crianças estão expostas.
Para finalizar pode-se dizer que um repertório social elaborado de habilidades sociais são importantes como fator protetor do desenvolvimento sociomocional.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Os patinhos feios: A RESILIÊNCIA


A ideia do tema de hoje surgiu ao participar de uma defesa de trabalho de conclusão de curso.
Primeiro quero parabenizar minha aluna Ana Paula Fest Müller pelo excelente trabalho (Um olhar horizontalizado acerca da tutoria de resiliência: um estudo de caso)!

Mesmo que estes livros sejam apropriados para os adultos a aplicação do tema é de fundamental importância para o desenvolvimento infantil. A resiliência permite ao sujeito se adaptar às situações que apresentem fatores de risco e assim, superar as adversidades.
Uma pausa para “explicar” esta palavrinha: resiliência
A palavra vem do latim “resilio”, que significa voltar ao estado natural. O conceito oriundo da Física que se refere à propriedade de que são dotados alguns materiais, de acumular energia quando exigidos ou submetidos a estresse sem ocorrer ruptura. É aplicado ao comportamento humano com o objetivo de permitir que sejam adotadas mudanças nas atitudes para proporcionar melhoria na qualidade de vida das pessoas mesmo em situações do dia-a-dia de cobranças, prazos, pressões, muita tensão e estresse.
E por que pensar na resiliência como importante para o desenvolvimento infantil?
Algumas crianças podem apresentar problemas em seu desenvolvimento relacionados ao comportamento e/ou à um desequilíbrio emocional, e esses problemas ocorrem por uma falta de habilidade para enfrentar eventos estressantes e de risco comuns no seu dia-a-dia.
Podemos considerar também, de acordo com Cyrulnik que é por meio das relações sociais que a criança pode estabelecer um processo de equilíbrio entre os fatores de risco e de proteção. É também pelos vínculos seguros que são basicamente construídos no período da infância, que a possibilidade de se ter uma rede de apoio é construída. Essas redes, por sua vez, fortalecem a criança ou o adulto e permitem que ele alcance o equilíbrio entre os fatores de risco e proteção.
Então, se nós adultos pudermos conduzir as situações de adversidade enfrentadas pelas crianças de forma realista, proporcionando apoio e fazendo com que elas percebam seus limites e potencialidades, estaremos capacitando-as para enfrentar e superar as adversidades e o mais importante, transformando positivamente essas situações.
Mas, é importante lembrar que trabalhar com a criança a positividade das situações adversas não significa transformar essa criança em invulnerável. Ao enfrentar uma situação de risco, todos, crianças ou adultos, saíram do enfrentamento com algum dano, porém com uma visão positiva de reconstrução.
Seguem os exemplos
Como exemplos de resiliência podemos pensar em Maria Callas, da forma como foi citado no livro de Cyrulnik. Nascida em Nova York, filha de imigrantes gregos que devido a dificuldades econômicas, teve que regressar à Grécia com sua mãe em 1937, foi uma menina consumida por carências afetivas morando em depósito de crianças imigradas.
Podemos pensar também em Steve Jobs que fundou a Apple aos 20 anos, empresa composta por duas pessoas e que funcionava na garagem da casa dos pais de Jobs e se transformou, em dez anos, numa empresa com 10.000 colaboradores. Jobs foi demitido da própria empresa aos 30 anos, mas, devido a seu espírito empreendedor, ou melhor da sua resiliência, fundou a NeXT e  também comprou de George Lucas a Pixar Animation Studios transformando no maior estúdio de animação do mundo. No seu discurso em 2005 para os formandos da Stanford University compartilha três ótimas histórias de vida, de sua adoção até o câncer que enfrentou.

sábado, 28 de maio de 2011

Chapeuzinho Amarelo

Dando continuidade ao tema “medos” abordado na indicação do livro no post anterior, tenho outra sugestão: Chapeuzinho Amarelo de Chico Buarque, José Olympio Editora.

O livro conta a história de uma menina que sente medo do medo, medo do desconhecido. Este medo é representado no livro pela figura do Lobo. Com esse medo Chapeuzinho Amarelo deixa de fazer muitas coisas relacionadas ao cotidiano infantil tais como não ir a festas, não ouvir conto de fadas e até mesmo de brincar. No decorrer do livro a menina enfrenta seu principal medo de frente, que é o do Lobo, tornando-o um inofensivo Bolo. Esta transformação é feita de forma brilhante por Chico Buarque ao escrever diversas vezes a palavra lobo em separação silábica que aos poucos torna-se bolo.

“LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO”

O livro possibilita trabalhar o enfrentamento dos medos que povoam o imaginário infantil através da alternativa escolhida por Chapeuzinho Amarelo, ou seja, analisar o medo e poder perceber que o medo de sentir medo é maior do que o próprio objeto de medo.
Mesmo ensinado a criança que podemos enfrentar o medo não podemos minimizar o que ela sente. O medo é uma reação natural em que fazemos a avaliação de um evento como perigoso ou ameaçador. Esta avaliação é diferente para cada pessoa e o mesmo evento que para uma pode causar muito medo para outra não.
O medo causa reações físicas desconfortáveis como suor, o aumento do ritmo cardíaco e respiratório e tensão muscular. Então mesmo quando dizemos para a criança que “não sinta medo” ou “você já é grande para ter medo”, o comportamento que esperamos pode não acontecer já que o corpo da criança está dando sinais de que ela está com muito medo.
Por isso, ensinar aos poucos que todos têm medo e que podemos ter alternativas para lidar com eles é muito importante. Neste ponto as histórias são um grande aliado, já que a criança por meio delas poderá primeiramente aprender a lidar com o medo do outro, o medo dos personagens dos livros, para depois poder lidar com o seu próprio medo.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Começando...


Fiquei pensando por onde começar... relembrei minha infância, comparei situações por mim vividas com as das crianças que pude acompanhar o desenvolvimento e também com as enfrentadas pelos meus pequenos no consultório. Percebi então o que é quase lógico!
Crianças adoram histórias. Podem ser um clássico dos contos de fadas, a história de sua própria vida, as inventadas, as de terror, as de romance, enfim, adoram histórias.
Adultos contando histórias para crianças é uma atividade comum em diversas situações. Pode ser no momento de colocar o filho para dormir, a professora na escola, no consultório do psicólogo, na hora do reforço escolar ou em uma situação que é preciso deixar a criança quieta por algum tempo.
Então, podemos perceber que as histórias infantis são normalmente usadas como uma forma de distração e entretenimento para crianças. Entretanto, algumas vezes, passa despercebido que essas mesmas histórias podem ser escolhidas adequadamente para cada situação e nos ajudar a participar do mundo infantil, da linguagem infantil e assim podemos estabelecer uma conversa dentro de um contexto no qual elas possam se expressar e nos entender de forma mais adequada.
O conteúdo da história a ser abordado pode ser escolhido dependendo do momento de vida da criança, dos conflitos pelos quais ela está passando. Assim, a escolha da história pode possibilitar à criança uma melhor investigação e a aprendizagem sobre o mundo que a cerca, favorecendo aspectos cognitivos, simbolização do mundo interior de pensamentos e afetos, por meio da imaginação.
Bettelheim (2007), afirma que os problemas infantis, como a necessidade do amor, do medo e do desamparo, da rejeição e da morte, são colocados nas histórias em lugares fora do tempo e do espaço, mas reais para crianças.

Por enquanto, deixo a indicação de um livro através do qual podemos abordar os medos, muitas vezes reais, tais como o medo do escuro, de ficar sozinho e da pobreza: A Princesinha Medrosa de Odilon Moraes, Editora Cosac Naify.